Criada no Japão nos anos 80, a série Za Ginipiggu, ou como é mais conhecida desse lado do mundo, Guinea Pig, é considerada por muita gente o que de mais absurdamente chocante já foi criado em matéria de cinema. O segundo, e mais famoso episódio, Flowers of Flesh and Blood (Hideshi Hino, 1985) é particularmente brutal, mostrando detalhadamente um processo de desmebramento.Infelizmente, o filme é super estimado. Sim, o esquartejamento é brutal, o mais próximo de um snuff movie possível. Uma pobre mulher amarrada tem seus membros dolorosamente decepados por um assassino cosplay demente... mas que era aquela mulher mesmo? Qual o nome dela? Tinha filhos? Era feliz? É aí que o filme falha: não há qualquer aproximação entre espectador e vítima. Aquela mulher é simplesmente um corpo a ser desmembrado.
Esta introdução veio para falar da experiência cinematográfica mais chocante da minha vida: o curta Cutting Moments (Douglas Buck, 1997) que preenche a lacuna deixada por Flowers of Flesh and Blood e o torna uma verdadeira agonia para o espectador (o que no caso é uma qualidade).Ao contrário do niilismo característico do filme japonês, Cutting Moments causa uma tremenda empatia com a vítima, o que faz com que você se pegue contorcendo em frente à tela, implorando para aquele tormento parar. Não há serial killers ou assombrações, o verdadeiro horror é mais próximo e familiar de todos nós: a vida comum.
Sarah (a linda e talentosa Nica Ray, que infelizmente não fez mais filmes) é uma dona de casa infeliz. Nos primeiros minutos acompanhamos sua rotina miserável, sua relação glacial com o marido Patrick (Gary Betsworth) e o filho Joey (Jared Barsky). O silêncio entre os membros da família é pertubador, mostrado na cena do jantar, onde vemos a distância enorme que há entre eles. Anoitece, e Sarah vai dormir, enquanto escuta calada de seu quarto Patrick conversando com Joey. O abuso sexual por parte do pai fica implícito. Só o que Sarah pode fazer é olhar a foto de casamento e se lembrar dos tempos felizes, agora mais distantes que tudo.
Manhã. Joey brinca no quintal. Patrick está sentado, vendo um jogo na TV. Sarah observa a foto do casamento, e decide que vai trazer aqueles tempos de volta. Põe seu vestido vermelho, se maquia e se produz. Se aproxima em frente a TV, estonteante e chama pelo marido. Ele a olha, por um instante, mas como uma mancha, uma mosca na parede, insignificante, e volta seus olhos para a TV. Sarah percebe naquele momento o que sua vida se tornou. Ela decide então que tomará medidas drásticas para devolver cor à sua vida.
O que acontece então deve ser mantido em segredo, mas apenas digo que são os momentos mais dolorosos que já passei em frente à uma tela. Ao contrário de Hideshi Hino, que em seu filme trata a vítima de maneira fria e científica, Douglas Buck usa uma estratégia cruel: faz com que o espectador se apaixone por Sarah, de modo que torna os tais "momentos de corte" uma experiência excruciante. O segredo está mais na construção dos personagens do que nos excelentes efeitos de Tom Savini. Sem brincadeira, a cena em que Sarah é ignorada por seu marido é tão pertubadora quanto os momentos de Gore.
O curta foi lançado no exterior em duas antologias. Uma é Family Portraits, A Trilogy of America, onde é o primeiro de três curtas, todos de Buck, abordando a degradação da família. A outra leva o nome Cutting Moments mesmo, e tem vários outros curtas de diferentes diretores. Essa é mais forte ainda, pois durante os créditos finais vemos fotos da família feliz antes da tragédia.No Brasil chegou a ser exibido no Festival de Curtas de São Paulo, em 2003, com o título Momentos de Corte, mas nunca foi lançado em vídeo.
sábado, 7 de junho de 2008
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