Acompanhe a sucessão de eventos: em 1989, dois cineastas independentes chamados Brian Thomas Jones e James McCalmont conseguiram grana para filmar um filme chamado Inferno em Safehaven, uma história passada num mundo apocalíptico à la Fuga de Nova York, que ninguém viu nem ninguém quis ver. Isso foi na época do boom do vídeo cassete, e uma pequena distribuidora brasileira¸ por algum motivo resolveu lançar o filme no Brasil. Mais uma vez, ninguém deu bola.
Pula para o século XXI, onde, graças ao novo formato do DVD, todo mundo abandonou de vez daquelas arcaicas caixas de plástico com uma fita enrolada dentro, condenadas a ficar nas prateleiras empoeiradas das locadoras que ainda insistiam em manter estas relíquias. Um cara chamado Matheus, que ainda teima em manter seu velho videocassete funcionando, sai de casa um dia, louco para ver um filme diferente, chega na última locadora do bairro que ainda tem VHS e decide pegar três filmes desconhecidos. No pacote vem um slasher, um filme de justiceiro estilo Charles Bronson e, por fim, o alvo desta análise: Inferno em Safehaven, que lutou pelas barreiras do tempo e tecnologia para encontrar alguém disposto a divulgá-la.
Safehaven é aquele tipo de filme que quando você termina de ver, vem a sensação de ser a única pessoa do mundo que já assistiu. Tente fazer uma busca no Google, e você não vai encontrar quase nada. Até mesmo no IMDB, o filme recebeu apenas uma crítica mal-humorada e, até o momento em que escrevo este artigo, 23 votos- incluindo o meu.
Não que Safehaven seja alguma obra-prima esquecida. É apenas um filme B mediano com pouco dinheiro, plot básico e ninguém muito famoso envolvido. Não é criativo como Fuga de NY ou marcante como Mad Max, dois filmes que com certeza foram referência para os roteiristas. Mas, mesmo não sendo nenhum clássico, ainda é um filme legal, com alguns bons momentos do roteiro e atores acima da média para o orçamento disponível.
O filme começa mostrando as ruínas de uma cidade, depois da destruição das civilizações. Se hoje em dia diretores medíocres e cheios da nota utilizariam milhões para retratar o mundo devastado, a dupla Jones e McCalmont simplesmente mostra uns prédios sem reboco e um cadáver caído no meio do entulho com uma narração de fundo e pronto: estamos na Terra pós-apocalíptica!
Pelas palavras do narrador Jeff Colt (John Winttenbauer, que só fez esse filme), neste mundo devastado existem fortalezas chamadas Safehaven, onde, por um bom preço, as pessoas podem se proteger das adversidades do mundo exterior. E é para Safehaven 186 que a família Colt está indo, depois de anos tentando conseguir uma vaga. Eles caminham pelas ruínas da cidade (ou seja, mais entulho e prédios feios), e acabam trombando com uma gangue de punks, mas são salvos na hora H por um homem misterioso chamado Pierce (Rick Gianasi, de Sgt. Kabukimen NYPD), que some em seguida.
Enfim, apesar das adversidades, ele chegam à fortaleza, onde são recepcionados pelo Prefeito McGee (o gordão Marcus Powell, que teve pequenas participações em Guerra nas Estrelas, O Homem Elefante e até A Fantástica Fábrica de Chocolates, como um dos Oompa Loompas!!!) que comanda Safehaven 186. O que eles não sabem é que o prefeito é controlado pelo punk Preacher (Roy McArthur, que participou de Rejuvenatrix, também de Jones, e rouba o filme), o verdadeiro mandachuva do lugar.
A família Colt mal tem tempo de desempacotar suas coisas, quando são chamados para testemunhar a execução de um criminoso. Revoltado com o espetáculo, o patriarca Ben Colt dispara xingamentos contra a política do lugar. O problema é que os asseclas de Preacher escutam tudo, e recebem a ordem de prender a família.
Logo os punks invadem a habitação da família, e capturam todos, menos o garoto Jeff, que saiu para comprar carvão e se engraçou com a stripper Sabina (o nome da atriz me escapou.) Sabina, para complicar as coisas, é intimidada por Preacher, que a mantém sob ameaças de exílio. Com sua família capturada, Jeff fica sozinho, e se junta a um grupo de moradores de Safehaven que se revolta contra os governantes. E, enfim, ressurge Pierce, o cara do início do filme, que tem contas a acertar com Preacher.
A partir daí, a história se foca na rebelião do grupo, sob comando de Pierce. Infelizmente, a ação não é muito empolgante, se resumindo a muita correria, alguns tiroteios e brigas corpo a corpo. É uma pena, pois com esta trama, a fita podia ser bem mais movimentada. O maio defeito é não explorar nem um pouco o fato de o mundo estar devastado: tirando as cenas do início, o filme todo se passa dentro dos muros de Safehaven. A violência também é comedida, mas pelo menos os personagens são bem construídos, e seguram as pontas.
O destaque no elenco vai para Roy MacArthur. Seu vilão Preacher é ótimo, e tem as melhores falas do filme (“Não vai dizer que sua esposa morreu! Que pena, eu sempre quis comer ela.”). Rick Gianasi como Pierce também constrói um anti-herói bacana, que parece ter migrado de uma história em quadrinhos.
Mas, mesmo com esses pontos positivos e potencial de se tornar um cult, o filme não emplacou. Mesmo entre aqueles que gostam de filmes obscuros, eu nunca li uma linha sobre Inferno em Safehaven, e provavelmente nunca teria assistido, se não tivesse escolhido às cegas. É uma sacanagem, pois, mesmo com seus defeitos ele ainda é mais divertido que esses filmes de ação multimilionários babacas como Quarteto Fantástico e Van Helsing.
E dá uma pontada de tristeza ouvir as palavras de Jeff Colt no final do filme: “Eu encontrei Pierce outra vez depois disso, mas esta é outra história. Um dia desses eu conto.” Pois é, infelizmente nunca vamos ouvir essa história.
domingo, 8 de junho de 2008
sábado, 7 de junho de 2008
Celas em Chamas II: As Grades do Inferno (Caged Heat II: Stripped to Freedom,1994)
O primeiro WIP a gente nunca esquece...
Comprei esta fita baratinho de uma locadora. Estava me iniciando no gênero "mulhereres na prisão", e decidi me aventurar neste filme sem referências. Foi um ótimo começo, já que ele não é tão escabroso como, por exemplo, os filmes de Jess Franco, embora contenha tudo o que este subgênero precisa.
Se você não sabe o que é um WIP, trata-se de um subgênero de filmes exploitation que mostra, geralmente, uma garota inocente presa numa prisão feminina onde se cometem todos os tipos de abusos. Normalmente, contém uma boa dose de nudez, lutas de mulheres, cenas de chuveiro, estupros e torturas variadas.
Este filme, como o título diz, é continuação de Chained Heat, que eu não vi ainda. Mas o título é na verdade uma picaretagem, já que nenhum personagem do filme original volta, sem contar que o cenário também é outro. Picaretagem, aliás, era especialidade do diretor Ciro H. Santiago, diretor desse e de vários outros filmes exploitation da época.
A história é a seguinte: numa república não especificada da Ásia, a agente da CIA Amanda (Jewel Sheppard, que interpretou a punk Casey em A Volta dos Mortos-Vivos) participa de um esquema para forjar a morte do rei, que foge para os EUA com uma identidade nova. O problema é que, no processo, a filha dele, Marga, é presa e enviada para a prisão, a espera de julgamento.
Amanda parte então para a prisão, com o objetivo de salvar a princesa Marga. Por causa de um mal-entendido, junto com ela é presa também Lucy, uma garota americana que vende filmes pornográficos. Vale ressaltar que, apesar de isso tudo acontecer numa república nos confins da Ásia e de os policiais dizerem coisas como "seu governo imperialista está contaminando nossa nação", todos eles são do tipo "tira de NY", do modo de falar aos uniformes.
Enfim, chegando à prisão, Amanda entra em conflito com o sinistro superintendente Chen (interpretado pelo freak Vic Diaz) e com a prisioneira Paula, que cisma com as garotas desde o início. A partir daí, é a tradicional festa de lutas na lama, chuveiros, estupros, chicotadas e fugas mal sucedidas, até o final.
O segredo de assistir a Celas em Chamas II é não levar a coisa a sério e não esperar nenhuma obra-prima. Se tiver isso em mente, e não ligar para mulheres sendo humilhadas de diversas formas (apesar de que a coisa pegar bem leve em comparação com outros filmes do gênero) vai se divertir bastante.
E aguardem críticas de mais WIP's.
Nota: Vale dizer que a sinopse da fita lançada no Brasil está completamente errada: diz que uma garota chamada Marta é enviada para a prisão e é ajudada por uma agente que está do lado de fora da prisão, além de chamar o superintendente Chen de superintendente "Diaz", quando na verdade "Diaz" é o nome do ator que o interpreta.
Comprei esta fita baratinho de uma locadora. Estava me iniciando no gênero "mulhereres na prisão", e decidi me aventurar neste filme sem referências. Foi um ótimo começo, já que ele não é tão escabroso como, por exemplo, os filmes de Jess Franco, embora contenha tudo o que este subgênero precisa.
Se você não sabe o que é um WIP, trata-se de um subgênero de filmes exploitation que mostra, geralmente, uma garota inocente presa numa prisão feminina onde se cometem todos os tipos de abusos. Normalmente, contém uma boa dose de nudez, lutas de mulheres, cenas de chuveiro, estupros e torturas variadas.
Este filme, como o título diz, é continuação de Chained Heat, que eu não vi ainda. Mas o título é na verdade uma picaretagem, já que nenhum personagem do filme original volta, sem contar que o cenário também é outro. Picaretagem, aliás, era especialidade do diretor Ciro H. Santiago, diretor desse e de vários outros filmes exploitation da época.
A história é a seguinte: numa república não especificada da Ásia, a agente da CIA Amanda (Jewel Sheppard, que interpretou a punk Casey em A Volta dos Mortos-Vivos) participa de um esquema para forjar a morte do rei, que foge para os EUA com uma identidade nova. O problema é que, no processo, a filha dele, Marga, é presa e enviada para a prisão, a espera de julgamento.
Amanda parte então para a prisão, com o objetivo de salvar a princesa Marga. Por causa de um mal-entendido, junto com ela é presa também Lucy, uma garota americana que vende filmes pornográficos. Vale ressaltar que, apesar de isso tudo acontecer numa república nos confins da Ásia e de os policiais dizerem coisas como "seu governo imperialista está contaminando nossa nação", todos eles são do tipo "tira de NY", do modo de falar aos uniformes.
Enfim, chegando à prisão, Amanda entra em conflito com o sinistro superintendente Chen (interpretado pelo freak Vic Diaz) e com a prisioneira Paula, que cisma com as garotas desde o início. A partir daí, é a tradicional festa de lutas na lama, chuveiros, estupros, chicotadas e fugas mal sucedidas, até o final.
O segredo de assistir a Celas em Chamas II é não levar a coisa a sério e não esperar nenhuma obra-prima. Se tiver isso em mente, e não ligar para mulheres sendo humilhadas de diversas formas (apesar de que a coisa pegar bem leve em comparação com outros filmes do gênero) vai se divertir bastante.
E aguardem críticas de mais WIP's.
Nota: Vale dizer que a sinopse da fita lançada no Brasil está completamente errada: diz que uma garota chamada Marta é enviada para a prisão e é ajudada por uma agente que está do lado de fora da prisão, além de chamar o superintendente Chen de superintendente "Diaz", quando na verdade "Diaz" é o nome do ator que o interpreta.
Momentos de Corte (Cutting Moments, 1997)
Criada no Japão nos anos 80, a série Za Ginipiggu, ou como é mais conhecida desse lado do mundo, Guinea Pig, é considerada por muita gente o que de mais absurdamente chocante já foi criado em matéria de cinema. O segundo, e mais famoso episódio, Flowers of Flesh and Blood (Hideshi Hino, 1985) é particularmente brutal, mostrando detalhadamente um processo de desmebramento.Infelizmente, o filme é super estimado. Sim, o esquartejamento é brutal, o mais próximo de um snuff movie possível. Uma pobre mulher amarrada tem seus membros dolorosamente decepados por um assassino cosplay demente... mas que era aquela mulher mesmo? Qual o nome dela? Tinha filhos? Era feliz? É aí que o filme falha: não há qualquer aproximação entre espectador e vítima. Aquela mulher é simplesmente um corpo a ser desmembrado.
Esta introdução veio para falar da experiência cinematográfica mais chocante da minha vida: o curta Cutting Moments (Douglas Buck, 1997) que preenche a lacuna deixada por Flowers of Flesh and Blood e o torna uma verdadeira agonia para o espectador (o que no caso é uma qualidade).Ao contrário do niilismo característico do filme japonês, Cutting Moments causa uma tremenda empatia com a vítima, o que faz com que você se pegue contorcendo em frente à tela, implorando para aquele tormento parar. Não há serial killers ou assombrações, o verdadeiro horror é mais próximo e familiar de todos nós: a vida comum.
Sarah (a linda e talentosa Nica Ray, que infelizmente não fez mais filmes) é uma dona de casa infeliz. Nos primeiros minutos acompanhamos sua rotina miserável, sua relação glacial com o marido Patrick (Gary Betsworth) e o filho Joey (Jared Barsky). O silêncio entre os membros da família é pertubador, mostrado na cena do jantar, onde vemos a distância enorme que há entre eles. Anoitece, e Sarah vai dormir, enquanto escuta calada de seu quarto Patrick conversando com Joey. O abuso sexual por parte do pai fica implícito. Só o que Sarah pode fazer é olhar a foto de casamento e se lembrar dos tempos felizes, agora mais distantes que tudo.
Manhã. Joey brinca no quintal. Patrick está sentado, vendo um jogo na TV. Sarah observa a foto do casamento, e decide que vai trazer aqueles tempos de volta. Põe seu vestido vermelho, se maquia e se produz. Se aproxima em frente a TV, estonteante e chama pelo marido. Ele a olha, por um instante, mas como uma mancha, uma mosca na parede, insignificante, e volta seus olhos para a TV. Sarah percebe naquele momento o que sua vida se tornou. Ela decide então que tomará medidas drásticas para devolver cor à sua vida.
O que acontece então deve ser mantido em segredo, mas apenas digo que são os momentos mais dolorosos que já passei em frente à uma tela. Ao contrário de Hideshi Hino, que em seu filme trata a vítima de maneira fria e científica, Douglas Buck usa uma estratégia cruel: faz com que o espectador se apaixone por Sarah, de modo que torna os tais "momentos de corte" uma experiência excruciante. O segredo está mais na construção dos personagens do que nos excelentes efeitos de Tom Savini. Sem brincadeira, a cena em que Sarah é ignorada por seu marido é tão pertubadora quanto os momentos de Gore.
O curta foi lançado no exterior em duas antologias. Uma é Family Portraits, A Trilogy of America, onde é o primeiro de três curtas, todos de Buck, abordando a degradação da família. A outra leva o nome Cutting Moments mesmo, e tem vários outros curtas de diferentes diretores. Essa é mais forte ainda, pois durante os créditos finais vemos fotos da família feliz antes da tragédia.No Brasil chegou a ser exibido no Festival de Curtas de São Paulo, em 2003, com o título Momentos de Corte, mas nunca foi lançado em vídeo.
Esta introdução veio para falar da experiência cinematográfica mais chocante da minha vida: o curta Cutting Moments (Douglas Buck, 1997) que preenche a lacuna deixada por Flowers of Flesh and Blood e o torna uma verdadeira agonia para o espectador (o que no caso é uma qualidade).Ao contrário do niilismo característico do filme japonês, Cutting Moments causa uma tremenda empatia com a vítima, o que faz com que você se pegue contorcendo em frente à tela, implorando para aquele tormento parar. Não há serial killers ou assombrações, o verdadeiro horror é mais próximo e familiar de todos nós: a vida comum.
Sarah (a linda e talentosa Nica Ray, que infelizmente não fez mais filmes) é uma dona de casa infeliz. Nos primeiros minutos acompanhamos sua rotina miserável, sua relação glacial com o marido Patrick (Gary Betsworth) e o filho Joey (Jared Barsky). O silêncio entre os membros da família é pertubador, mostrado na cena do jantar, onde vemos a distância enorme que há entre eles. Anoitece, e Sarah vai dormir, enquanto escuta calada de seu quarto Patrick conversando com Joey. O abuso sexual por parte do pai fica implícito. Só o que Sarah pode fazer é olhar a foto de casamento e se lembrar dos tempos felizes, agora mais distantes que tudo.
Manhã. Joey brinca no quintal. Patrick está sentado, vendo um jogo na TV. Sarah observa a foto do casamento, e decide que vai trazer aqueles tempos de volta. Põe seu vestido vermelho, se maquia e se produz. Se aproxima em frente a TV, estonteante e chama pelo marido. Ele a olha, por um instante, mas como uma mancha, uma mosca na parede, insignificante, e volta seus olhos para a TV. Sarah percebe naquele momento o que sua vida se tornou. Ela decide então que tomará medidas drásticas para devolver cor à sua vida.
O que acontece então deve ser mantido em segredo, mas apenas digo que são os momentos mais dolorosos que já passei em frente à uma tela. Ao contrário de Hideshi Hino, que em seu filme trata a vítima de maneira fria e científica, Douglas Buck usa uma estratégia cruel: faz com que o espectador se apaixone por Sarah, de modo que torna os tais "momentos de corte" uma experiência excruciante. O segredo está mais na construção dos personagens do que nos excelentes efeitos de Tom Savini. Sem brincadeira, a cena em que Sarah é ignorada por seu marido é tão pertubadora quanto os momentos de Gore.
O curta foi lançado no exterior em duas antologias. Uma é Family Portraits, A Trilogy of America, onde é o primeiro de três curtas, todos de Buck, abordando a degradação da família. A outra leva o nome Cutting Moments mesmo, e tem vários outros curtas de diferentes diretores. Essa é mais forte ainda, pois durante os créditos finais vemos fotos da família feliz antes da tragédia.No Brasil chegou a ser exibido no Festival de Curtas de São Paulo, em 2003, com o título Momentos de Corte, mas nunca foi lançado em vídeo.
Assinar:
Postagens (Atom)